Mordidas Cruzadas Unilaterais Posturais

Autor: Humberto Soliva
Ortopedista Funcional dos Maxilares;
Coordenador Geral do GEM;
Presidente da SOMA;
Ministrador do curso de atualização em REABILITAÇÃO DINÂMICA E FUNCIONAL DOS MAXILARES – TÉCNICA Dr. MAURÍCIO VAZ DE LIMA na ABOM;
Professor convidado de inúmeras entidades de classe.

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a necessidade de tratar as mordidas cruzadas posturais em sua globalidade, devolvendo ao sistema estomatognático, a forma adequada para o restabelecimento da função equilibrada. A filosofia ortopédica funcional contida na técnica da Reabilitação Dinâmica e Funcional dos Maxilares desenvolvida pelo Professor Maurício Vaz de Lima é enfática na busca da harmonia das funções do sistema estomatognático. Demonstrado no caso clínico ilustrativo, o que pretendemos modificar no complexo articular, quando as funções são restabelecidas.
Palavras chave: Sistema estomatognático; Mordidas cruzadas posturais; Oclusão.


ABSTRACT


The aim of this work is to demonstrate the importance of cross bite treatment, giving back to the stomatognatic system, the correct form and the equalized function. The Dento-facial Orthopedics philosophy contained in the Dynamic and Functional Rehabilitation of the Maxillary developed by prof. Maurício Vaz de Lima was emphatic to find the functions and harmony of the stomatognatic system. In the case, the author wants to show, that the changes in the TMJ complex are expected to happen, when the physiologic occlusion is provided.
Keywords: Stomatognatic system; Postural cross bite; Occlusion


INTRODUÇÃO


O termo mordida cruzada consagrou-se pelo uso, apesar de inadequado, porém é mais correto dizer mordida invertida ou laterognatia. Referindo-se a um tipo de má-oclusão que apresenta diferentes características e tratamentos também diversos, sendo descrita por inúmeros autores como a inversão de posição dentária entre as arcadas superior e inferior, criando uma situação traumática na qual um ou mais dentes posteriores superiores ocluem por lingual dos dentes inferiores.
           
O tratamento de mordidas cruzadas posteriores, unilaterais passa a ser bastante simples e eficaz quando lançamos mão de procedimentos adequados a cada caso começando por um correto diagnóstico diferencial entre os diferentes tipos de mordida invertida.
           
As pesquisas apontam este tipo de má-oclusão unilateral, aparecendo em cerca de 15% dos pacientes em dentição mista e dentre as mordidas cruzadas unilaterais, como sendo 80 % delas de ordem funcional(6), por conveniência oclusal, ou postural também chamadas de laterognatias ou falsas mordidas cruzadas, sendo este o tema deste artigo.
           
Temos observado também que a causa mais freqüente deste tipo específico de desvio funcional é a respiração bucal,(1) onde haverá uma notória compressão na maxila diminuindo as distâncias 4/4, 6/6 e 3/3.
           
Resulta que com esta atresia simétrica da maxila, ocorrendo um trauma oclusal compulsório, provocado pela oclusão de topo nas áreas mencionadas, criando condições propícias para um desvio no padrão oclusal e na postura da mandíbula, no sentido lateral.
           
Sendo as mordidas posteriores um dos mais danosos distúrbios oclusais causados pela respiração bucal, não poderemos nunca tratá-las corretamente sem passar antes pelo tratamento desta disfunção do sistema estomatognático.  As observações clínicas que se seguem são fatores determinantes para diferenciar os dois tipos de mordida cruzada unilateral.
           
Dadas as implicações sobre o crescimento facial dos portadores de laterognatias deveremos observar primeiramente a face do paciente e verificar alguns princípios que nos ajudarão no correto diagnóstico:

  1. Observar se há rotação facial com predominância mandibular para um ou outro lado.

  2. Observar se o paciente é portador da síndrome do respirador bucal.

  3. Observar se há hipertrofia muscular de um lado sobre o outro, indicando um trabalho unilateral.

  4. Observar se há diferença na altura das órbitas oculares.

  5. Observar se há uma assimetria facial evidente.

  6. Também deveremos observar algumas características diferenciais nas arcadas dentárias.

  7. Observar se há cruzamento oclusal unilateral.

  8. Observar em relação à linha média superior/inferior que confirma o desvio mandibular (não dentário).

  9. Observar nos modelos, se há compressão hemimaxilar ou não (nas laterognatias não ocorre).

  10. Observar se há um rompimento do equilíbrio oclusal com predominância de um lado de trabalho com facetas de desgastes unilaterais.

  11. Constatados os fatores desencadeantes de desvio do padrão facial do paciente é recomendável tratar ortopedicamente e o mais rápido possível, preferencialmente durante o período de crescimento.  

Estes fatores foram observados pelo Professor Maurício Vaz de Lima(7) que desenvolveu e aperfeiçoou a técnica brasileira conhecida como Reabilitação Dinâmica e Funcional dos Maxilares, cujo lema é “levar o errado ao lugar certo” sem extrações de pré-molares nem desgastes seletivos. Os resultados obtidos com esta técnica ortopédica, através de encapsulamento em acrílico e tornilhos especiais são notadamente eficientes e rápidos.

Razões e época do tratamento: Este tipo de má-oclusão deve ser tratada assim que diagnosticada por várias razões, entre elas, o fato da mordida cruzada posterior não se corrigir espontaneamente, de provocar desgaste anormal sobre as superfícies oclusais dos dentes, desenvolver problemas periodontais por trauma oclusal, provocar interferências no desenvolvimento e crescimento normais dos arcos dentários, além de que nos casos de mordidas cruzadas funcionais, que apresentam um desvio lateral da mandíbula pela presença de interferências oclusais, há uma alteração na posição dos côndilos. O côndilo do lado cruzado desvia-se para posterior e superior, enquanto que do lado normal desloca-se para anterior e inferior da fossa mandibular. Pode apresentar também alterações de atividade muscular acompanhada de maior intensidade unilateral(3). A não correção destes desvios em idade precoce pode acarretar uma assimetria estrutural facial na idade adulta, transformando-se em grandes deformidades. Além destes fatores, o tratamento precoce das mordidas cruzadas posteriores, resulta numa erupção adequada dos sucessores permanentes, melhora na relação esqueléticas das bases apicais e proporciona um padrão de fechamento bucal sem desvios. O momento para o tratamento da mordida cruzada posterior é tão logo seja diagnosticada esta má-oclusão(11), porém deve-se levar em conta a maturidade e possibilidade de cooperação da criança.

DISCUSSÃO
           
A maioria dos autores concorda que o tratamento expansivo da arcada superior é o recomendado como passo necessário para adequar forma e função reconfigurando o sistema estomatognático, através de nova informação ao mecanismo reflexo da oclusão.
           
Assim sendo, na ortodontia fixa, vários profissionais lançam mão de expansão rápida da maxila, através de aparelhos como o Hyrax e o quadri-helix(8,9) que resultam num movimento dentário rápido, entretanto necessitando de uma contenção longa.
           
Em nossa técnica, executaremos expansão lenta: bilateral nos casos de mordida cruzada funcional, e expansão unilateral dirigida nos casos de mordida cruzada verdadeira ambas com ativação 3 x por semana, lembrando que após a expansão e recondicionamento oclusal através de exercícios específicos com hiperbolóide (instrumento de mastigação), não haverá necessidade de contenção.
           
Adicionamos também o fato das cápsulas de acrílico serem excelentes desprogramadores de postura errada, facilitando após a expansão, nos casos de mordida cruzada funcional uma rápida reposturação mandibular, uma vez que a placa de acrílico deve simular um equilíbrio através da mordida funcional em miocêntrica(10).
           
Isto é conseguido observando a linha média dentária do paciente quando este abre a boca, que deve coincidir com a linha média facial (observar os freios labiais). Fechando a boca, haverá um ponto onde há o reflexo neuropostural defensivo do trauma oclusal de topo, que leva a mandíbula para o lado de trabalho, criando um desvio no final do movimento. É este desvio que anularemos quando montamos a placa em miocêntrica, simulando um equilíbrio postural funcional, sem travamentos. Quando isto não ocorre de forma natural poderemos utilizar as aletas funcionais Gomes(4) ou Aleta Valter, que são recursos como barreiras de acrílico, adicionados na vestibular do aparelho, no lado de trabalho como que conduzindo a mandíbula para uma relação cêntrica e ao mesmo tempo afastando a influência compressiva do bucinador sobre a maxila. Este recurso adicional agiliza a reorganização postural e vem melhorando ainda mais  nossa técnica. Não obstante, após o descruzamento deveremos eliminar a aleta unilateral e promover a bilateralidade, entrando agora com exercícios de mioterapia, através do hiperbolóide que é um instrumento de mastigação, veremos o efeito desta arma terapêutica em nossa casuística.
           
                                              
CONCLUSÃO

Para concluir este tema apresentaremos, como exemplo, um caso simples de mordida cruzada postural, desencadeada por respiração bucal em decorrência de uma rinite alérgica, a qual foi logo diagnosticada e convenientemente tratada. Observaremos também as prováveis implicações nas articulações temporomandibulares, estimuladas pelo uso do hiperbolóide com intuito de reprogramar o sistema estomatognático.

 
 

Fig. 1
Paciente de 8 anos de idade, apresentando desvio facial importante, observar as alturas das órbitas, da comissura labial, da musculatura de trabalho e das orelhas, sendo conseqüência de mastigação unilateral(3). É necessário que a paciente seja conscientizada de que é portadora de um problema que pode se tornar grave, caso não tratado corretamente de forma integral. É importante colocar a necessidade de tratar a respiração bucal, que é o fator gerador desta má-oclusão(11).

       
 
 
 
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Figuras 2, 3, 4, 5 e 6 – Ao Exame da oclusão encontramos mordida cruzada postural, envolvendo desde o lateral até o molar dos setores 1 e 4, tendo como causa desencadeante uma rinite alérgica e conseqüentemente respiração bucal(1). Observem a rotação mandibular para a direita, buscando uma oclusão de conveniência(6). Os côndilos estão sendo obrigados a deslocar-se em relação à fossa mandibular, sendo que do lado cruzado (lado de trabalho obrigatório) este se desloca para cima e para trás, comprimindo o disco na porção distal, e favorecendo seu futuro deslocamento para anterior. Por conseqüência no lado de balanceio o côndilo posiciona-se na direção da eminência anterior comprimindo a porção mesial do disco promovendo seu deslocamento para distal. Está em andamento uma provável DTM(5).

           
   
 
 
 
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Figuras 7,8 e 9 – Nossa meta é ludibriar o reflexo postural adaptativo frente à mordida de topo (que é a pior situação oclusal que pode existir). Vejam que o aparelho reposiciona a mandíbula (observar os freios labiais que agora coincidem) e simula uma situação de equilíbrio, pois com a cápsula de acrílico há uma mudança de estímulo e o sistema não identifica mais a interferência oclusal, facilitando assim a reorganização muscular que pretendemos. Nesta fase o aparelho deverá ser utilizado por 16 hs. diárias.

           
   
 
 
 
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Figuras 10 e 11 – O aparelho expansor é uma unanimidade entre os pesquisadores, como a opção mais eficiente para devolver a estabilidade oclusal e, portanto reposicionar a mandíbula, o que a cápsula de acrílico ajuda de maneira especial.

Vista oclusal do aparelho instalado com as cápsulas oclusais e o tornilho expansor que está sendo ativado 3 vezes por semana. Para acelerar o descruzamento e mudar a informação postural, adicionamos uma aleta unilateral do prof. Valter Gomes (4) do lado cruzado, que tem por objetivo também eliminar a interferência do músculo bucinador.

           
   
 
 
 
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Figuras 12 e 13 –2 meses após o início do tratamento, com a expansão já adiantada. Vejam que houve um correto posicionamento da mandíbula, favorecida agora pela nova relação oclusal entre maxila e mandíbula, cumprindo assim uma das prerrogativas da ortopedia funcional que é a mudança de postura terapêutica.

           
       
       
 
 

Com apenas seis meses de tratamento, a harmonia facial é restabelecida e o desvio postural da mandíbula deixa de influenciar a face da paciente.
Não podemos nos esquecer que a fase funcional do tratamento, sobre a qual edificaremos a estabilidade necessária à manutenção do sistema estomatognático, inicia-se logo após conseguirmos o equilíbrio da forma para premiarmos a função, com a prerrogativa de mastigação bilateral alternada.
É também necessário promover o equilíbrio entre todas as funções do sistema.

       
           
   
 
 
 
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Figuras 14, 15, 16 e 17 – Segundo Gribel(5), as pesquisas apontam para uma reestruturação nas ATM´s, o que ilustra o esquema sugerido da remodelação que provavelmente ocorre quando restabelecemos a função mastigatória  de forma bilateral alternada. Utilizamos o hiperbolóide principalmente como estimulador do lado que só balanceava.

           
       
       
 
 

Modelos de hiperbolóides® descritos por seu autor Afrânio Cheida.
Estes dispositivos demonstraram ser muito eficaz no reequilíbrio que pretendemos proporcionar ao sistema estomatognático.
Com textura de um alimento duro e fibroso, a forma de uma hipérbole, este instrumento, quando utilizado corretamente vem a estimular mudanças estruturais importantes.

       
   
 
 
 
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Figuras 19 -26, demonstram após o tratamento, quanto mais o tempo passa, mais harmônica é a oclusão da paciente. Recomendamos aos pacientes como pós-contenção, a mudança de hábitos alimentares, passando a utilizar o sistema estomatognático de forma mais intensa, através de frutas como maçã e goiaba, comidos com casca e por inteiro, bem como legumes como cenoura crua, talos de hortaliças, etc... Também poderemos sugerir como lanche, barrinhas de cereal (sem chocolate) ao invés de hambúrgueres ou biscoitos moles.       

   
 
 


 
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Figuras 27 -29 - demonstram a harmonia facial após alguns anos de estabilidade. Assim cumprimos a tradição de que um caso ortopédico funcional ao terminar tem que estar bom e cinco anos depois de terminado tem que estar MUITO BOM...






 

Referências Bibliográficas

       
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